terça-feira, 9 de junho de 2009



Quando escolhemos um parceiro, validamos a imagem que tem de nós


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A pessoa que fica com um companheiro que a considera burra se reconhece como burra. Por outro lado, aquela que opta por unir-se a alguém que a vê como inteligente também corrobora essa maneira de ser vista. Ocorre que muitas vezes o julgamento do outro não é confiável. É necessário bastante cuidado, portanto, para não adotar um espelho que não reflete a realidade.
por Alberto Lima*

Quando uma pessoa faz uma escolha de parceria amorosa, percebe que está elegendo alguém, mas talvez lhe escape o principal: escolher um parceiro ou uma parceira é escolher uma maneira de ser. Os exemplos abaixo ajudam a entender como isso se dá.

Maria tem João em boa conta. Ela o vê como pessoa especial, valiosa, de bom caráter. Quando João escolhe Maria como parceira, ele opta por ser especial, valioso, confiável, pois é assim que ela o vê. Ele se reconhece como portador desses atributos; afinal, experimenta conforto quando se sente percebido assim.

João namorou Clara, que o infantilizava. Tratava-o como se devesse ser monitorado em suas ações, por acreditar que era incapaz de tomar decisões e ser sensato. Orgulhava-se de ser aquela a quem ele devia gratidão por ter a vida que tinha, uma vez que, sem ela, "certamente" se meteria em encrencas.

João desfez o namoro com Clara. Ele não se reconhecia na pessoa que ela insistia em torná-lo. Clara engraçou-se com Fred. Tomando-se como dela o atributo controlador - isto é, entendendo-se não pertencer aos seus homens o traço da "controlabilidade" -, seria apenas previsível que ela o tratasse como um homem incapaz de ter vida merecedora de crédito, a menos que adestrado pela parceira. E assim foi. Clara exercia seu controle sobre Fred com impressionante fluência e com ele se casou. Fred escolheu ser controlável - e, consequentemente, controlado - quando optou por Clara como parceira de vida.

Leo vê Cristina como "burrinha". Caso firme sua relação com Leo, Cristina estará endossando a avaliação do parceiro, isto é, estará identificada com a desqualificada que ele vê. Pior: é possível que Cristina queira se "curar" da suposta burrice casando-se com Leo, o que será um ingresso certeiro para um inferno sem fim. Leo não vê a inteligência de Cristina, como não veria a de Luana, ou a de Teresa. Precisa de suas companheiras como depositárias de sua própria e não assimilada burrice. Na qualidade de esposa de Leo, Cristina aceitaria a missão de ser a pilastra na qual ele sobe para exibir seu pseudobrilhantismo.

Ser com Luisa é ser inteligente e divertido, pois é assim que ela trata o parceiro. Ser com Núbia, ao contrário, é ser imbecil. É isso que ela projeta sobre (atribui a) o parceiro, enquanto pensa que o vê. Ser com Antônio é ser merecedora de grande orgulho. É essa a mensagem que o olhar dele veicula à parceira. Ser com Luiz é ser "café com leite". Ele não consegue dissimular a visão depreciativa que tem da parceira. Ela capta isso. Resta saber se ela se ressentirá e se retirará de cena, ou se validará o diagnóstico do parceiro como espelho de sua condição.

É isso que está em jogo na escolha amorosa: aparentemente se elege alguém que pode ser bonito ou feio, limitado ou cheio de recursos. Caso se possa confiar na leitura do eleitor, isso será parte da verdade. A outra parte, e certamente a mais importante, está em que o objeto da escolha é interno, ou seja, faz-se um pacto de identidade com aquilo que se experimenta no contato com o outro, a julgar pela forma como se é visto e tratado.

Alguns olhos são espelhos de cristal; outros, espelhos distorcedores, como os que se encontram em parques de diversão. Cuidado! Alguns tratamentos ecoam uma verdade; outros, são meros vômitos. Cuidado redobrado!
* Alberto Lima, psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique (Editora Paulus) e de Alma: Gênero e Grau (Editora Devir).

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