Revista Veja 05/08/2009
Misturando religiões em rituais próprios, celebrantes alternativos são requisitados para fazer casamentos "diferentes"
SIMBOLOGIA À LA CARTE Marcia conduz o casamento de Robinho; Pérola casa noivo judeu com noiva espírita: apanhador de sonhos e hino do Flamengo
Igual, mas diferente. No sempre movimentado e competitivo mundo dos casamentos, esse é hoje em dia o lema de muitos casais. Eles querem uma cerimônia, claro, que tenha votos, troca de aliança e beijo, evidentemente, mas que não seja igualzinha à que todo mundo já conhece. Está criado o ambiente perfeito para a atuação do celebrante, uma figura que, sem ser juiz, padre, pastor ou rabino, formata e comanda cerimônias "personalizadas". O bom celebrante paira acima de crenças e age como se conhecesse o casal de longa data, pontuando suas falas com histórias dos dois. Pode ser médico, professor de ioga, mestre esotérico, radialista, amigão do noivo ou nenhuma das alternativas anteriores, desde que ofereça postura, boa fala e um ritual convincente. Inicialmente requisitado nas festas de quem já caminhava para a segunda união (ou terceira, ou quarta) e por casais homossexuais, os celebrantes passaram a ocupar mais espaço na cena casamenteira tradicional do ano passado para cá. Segundo os mais requisitados organizadores de festas do Rio de Janeiro e de São Paulo, a cada dez casamentos que montam, hoje pelo menos dois são nesse formato.
No leque de opções disponíveis, há celebrantes que se especializaram em nichos, como a carioca Pérola Kaminietz, que conduz cerimônias em que um é judeu e o outro não. De currículo eclético – fonoaudióloga, terapeuta familiar, professora de hebraico e mãe de um ex-participante do Big Brother –, Pérola faz em média dois casamentos por mês. Cobra cerca de 4 000 reais por cerimônia, que prepara como se fosse "criar um enredo de filme". O advogado carioca Marcel Britz, 31 anos, judeu, convocou seus serviços em novembro para se casar com a funcionária pública Nathália Diniz, espírita. "Queria que meu casamento tivesse alguma referência à cultura judaica. Pérola contou muitas coisas da nossa intimidade e tocou até o hino do Flamengo, meu time", diz Britz, que se casou sob a chupá, a tradicional cabana de tecido usada em cerimônias judaicas, e quebrou o copo no final. Na comunidade zen, bacana é contratar os serviços de Marcia de Luca, professora de ioga em São Paulo e madrasta da primeira-dama da França, Carla Bruni. Requisitadíssima, Marcia escolhe a dedo os clientes, dos quais cobra 6 000 reais, o cachê mais alto do meio. Em julho, no Guarujá, litoral de São Paulo, casou Vivian e o atacante Robinho, que não joga exatamente na tribo esotérica, mas atendeu a uma recomendação da organizadora da festa. Já Marcia desempenha bem em todas as posições: usa roupas indianas estilizadas, tira sons de uma cuba tibetana de cristal, borrifa no ar essência de flor de lótus, salpica pitadas de hinduísmo e ao final saca um apanhador de sonhos, talismã dos índios americanos. "Peço que noivos e convidados coloquem ali sua intenção de felicidade e dou o objeto ao casal. Eu mesma criei essa simbologia", explica.
A necessidade de rituais, tão antiga quanto a humanidade, e o espírito da nova era, em que a religiosidade é uma espécie de bufê, com um pouquinho de cada coisa, impulsionam as novas cerimônias. O casamento do chef francês Claude Troisgros com a produtora Clarisse Sette, no Rio de Janeiro, em março, foi celebrado por Philippe Bandeira de Mello, que reúne os coloridos títulos de psicoterapeuta junguiano e mestre da Arca da Montanha Azul, um grupo multirreligioso criado por ele. Entre os adeptos, os casamentos incluem fogueiras e chás, daquele tipo plenamente legalizado. Na festa de Troisgros, Mello apenas leu um texto falando sobre a plenitude da união entre masculino e feminino. "O que praticamos não é reles mistura, e sim a integração de cultura afro, hinduísmo, xamanismo e cabala, entre outras coisas. Todos nós estamos navegando na mesma arca e sou uma espécie de Noé moderno", filosofa mestre Mello, que não cobra cachê, mas aceita doações. Uma vantagem adicional dos celebrantes alternativos é que os noivos podem estabelecer a duração da cerimônia. "Eu não queria lenga-lenga, queria uma coisa bem objetiva", diz a estilista Roberta Tordin, 30 anos, que em abril se casou com o empresário Aleandro Fortunato, 32, numa fazenda em Itatiba, interior de São Paulo, tendo por celebrante Fredh Hoss. Radialista de profissão, com nome de fábrica de Fred Rodrigues, ele tem oitenta festas agendadas até fevereiro de 2010, cobra 1 500 reais e cobre um amplo espectro confessional. Já fez, por exemplo, uma cerimônia fundindo oferenda de frutas (noiva cigana) com bênção e crucifixo (noivo católico). No de Roberta limitou-se a, como ela pediu, ser breve: preparou uma fala curta baseada na história de vida dos noivos, que aprendeu submetendo-os antes a um questionário escrito. Foi show.